Tarifaço e soberania: hora de reagir com estratégia, coesão e protagonismo   

 Tarifaço e soberania: hora de reagir com estratégia, coesão e protagonismo   

Editorial

Brasil sob pressão geoeconômica precisa transformar sanções em catalisador para uma política externa ativa e um novo projeto de desenvolvimento

 As recentes barreiras tarifárias impostas pelos Estados Unidos contra produtos estratégicos do Brasil acendem um sinal de alerta que vai além da disputa comercial. Trata-se de mais um capítulo da reconfiguração geoeconômica global, em que potências buscam proteger suas cadeias produtivas e influenciar fluxos internacionais com base em interesses nacionais cada vez mais assertivos.

O governo norte-americano, sob a liderança de Donald Trump, anunciou tarifas de 50% sobre as importações brasileiras a partir de 6 de agosto. No entanto, num gesto inesperado, cerca de 700 produtos foram isentados, o que, segundo analistas, mantém a tarifa média em torno de 30%, ainda significativamente superior às alíquotas aplicadas à União Europeia e ao Japão, ambos taxados em 15%. O argumento oficial menciona desequilíbrios comerciais, mas fontes em Washington indicam que questões políticas internas do Brasil, como o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, também influenciaram a decisão.

Esse pano de fundo confere ainda mais complexidade ao momento. Após insistir que o dia 1º de agosto seria o prazo final e inadiável para o tarifaço, o governo dos EUA recuou e adiou sua entrada em vigor para a próxima semana. O gesto, ainda que tático, reforça a natureza volátil da conjuntura e o desafio de reagir com maturidade institucional, sem se precipitar, mas também sem perder o tempo político.

Segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), com base em dados do IBGE, Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o impacto estimado para o Brasil é relevante: retração de 0,16% no PIB e de 2,1% no comércio global. O próprio vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, alertou que 35,9% das exportações brasileiras aos Estados Unidos podem ser afetadas caso as sanções entrem em vigor. Em entrevista, Alckmin questionou o fundamento político das medidas, com uma comparação direta:

“Imagine que a Suprema Corte americana tivesse processado um ex-presidente [daquele país] e o Brasil falasse que [por isso] aumentaria a tarifa de produtos americanos que entrassem aqui, apenas por não gostar da decisão.”

A fala escancara o componente sensível, e possivelmente retaliatório, das medidas impostas por Washington. Em vez de respostas apenas reativas, o momento exige ações coordenadas e propositivas que transcendam a diplomacia tradicional.

O Governo Federal tem reiterado sua disposição para o diálogo técnico e “sem ideologia”, um aceno ao pragmatismo. No entanto, neutralidade demais, nesse contexto, pode ser confundida com ausência de protagonismo. O Brasil precisa afirmar sua presença em fóruns multilaterais, mobilizar aliados estratégicos e reforçar sua agenda de inserção internacional com clareza de propósito.

Internamente, o desafio é articular uma frente sólida entre Estado, setor produtivo e sociedade civil, capaz de sustentar um projeto nacional de desenvolvimento que combine competitividade, soberania e estabilidade institucional. A defesa da indústria brasileira não pode ser episódica; precisa estar conectada a uma visão de longo prazo sobre nosso lugar no mundo.

Mais do que reagir ao tarifaço, é hora de transformar a crise em oportunidade de reposicionamento. A soberania, em 2025, exige não apenas defesa de fronteiras, mas capacidade de negociação, autonomia tecnológica e influência regulatória. Em um mundo cada vez mais movido a interesses, o Brasil precisa se mover com estratégia, coesão e, sobretudo, ambição.

Referências:

  • Confederação Nacional da Indústria (CNI), com dados do IBGE, MDIC e UFMG.
  • Declarações e medidas oficiais do governo dos EUA em julho de 2025 (U.S. Trade Representative).
  • Agência Brasil (31/07/2025): entrevista do vice-presidente Geraldo Alckmin.
  • Reportagens do Financial Times, Folha de S.Paulo e Valor Econômico, publicadas entre 28 e 31 de julho de 2025.
  • Cobertura da imprensa sobre o julgamento de Jair Bolsonaro, com base em boletins do STF e análise da imprensa nacional e internacional.

 

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