O PORTADOR

 

foto da internet para ilustração

Correu boatos em Santana do Alegre nos idos dos anos 70 e 80 do século passado, que Gessildo moço trabalhador, daqueles caboclos vindos do norte do país, gente sofrida e calejada, homem acostumado com a lida, falavam as boas e más línguas que o nortista se engraçara por Violeta, moça criada na roça, prendada, sabia e fazia de um tudo numa casa, com a morte da mãe a jovem assumiu as rédeas da fazenda do Chicão, de lavar a cozinhar para os três irmãos e o pai não abria mão, ainda cuidava de duas menores gêmeas do último parto da mãe.   Gessildo instalado na cidade trabalhava na construção civil, fez economia e tinha em mente retornar ao norte, há quem falasse que Violeta já manifestara certa queda pelo nortista, disseram que os dois andaram trocando juras na última Festa do Algodão.   Soube–se também que Chicão não fazia gosto, muito menos os três irmãos da moçoila.   Naquela época era comum as filhas obedecerem aos pais, se o patriarca não aprovasse, dificilmente as filhas se casavam contrariando o gosto da família, era assim.   Gessildo insatisfeito parecia tramar uma forma de se juntar à moça pretendida.   Chicão falava para Deus e o mundo que nortista não é gente, que são quase pessoas do estrangeiro, dizia com essas palavras:    -Gosto desse povo não.   O disse me disse passava de boca em boca, Gessildo de pouca conversa, quando tomava umas acabava por deixar escapar da própria boca que nortista que se prese não leva desaforo pra casa.   Na região próxima a cidade, extensas áreas eram destinadas ao plantio, ora de grãos, ora algodão.   Chicão de tempo em tempo contratava diaristas para a lida na lavoura.   Certa manhã mal clareava, Altamiro amarrava o cabo da “sem graça” (enxada) no cano da Monark barra circular e saia para as lavouras de Chicão, então ouve uma voz conhecida:   -Miro!   O Miro!   Pera ai!   -Que foi Gezildo?   -Gezildo não.   É Gessildo com dois ss, já te falei.   Faz favor pra mim.   Escreve um bilhete, mas não conta ninguém.   –Tá bom, fala ai.   –Espera na porteira amanhã as três da madrugada.   Sem falta!   Entrega pra ela, faz favor.   Feito o bilhete o PORTADOR que já sabia do remelexo todo, nem perguntou mais nada, apenas colocou na algibeira e partiu dizendo:   -Pode deixar, você é amigo do peito.   Miro e Gessildo se conheciam de longa data, embora Miro trabalhasse para a família de Chicão, ajudava o amigo nos contatos e encontros dele com a filha do patrão.   Altamiro tão logo chega à fazenda, articula um meio e depois de cumprimentar dois filhos de Francisco, entra na cozinha e como bom PORTADOR entrega a encomenda à pretendida de Gessildo, a jovem muda o semblante, lê o conteúdo e com ar de satisfação faz um gesto de agradecimento a Altamiro.   Dois dias após esse fato, cidade pequena, em cada esquina ou comércio é o que se ouvia: “Quem diria hein!   Boi sonso, ferrão nele, Chicão ficou mordido, Gessildo roubou Violeta na calada da noite, ninguém sabe, ninguém viu”.   “O velho Chicão arreou os cavalos e saiu sem rumo, bem feito, queria que a filha virasse beata”.   O que se sabe é que nunca mais os fujões foram vistos, também, fora as especulações ninguém sabia indicar deles o paradeiro.   Passados vinte e cinco anos, certo dia, na porta do boteco do Tõe das Couves, chega um moço bem vestido, roupa amarela e azul e grita:   -Correio!!!   Alguém conhece Altamiro?   Um curioso responde prontamente:   – Deve ser Miro senhor, é na casa do lado, ele deve estar na parte dos fundos, mas o que o carteiro quer com ele?   O carteiro com ar de repreensão apenas olhou e disse:              -Agradeço pela informação, é correspondência particular.   Por uma semana inteira toda a vizinhança indagava quem escrevera para Miro, ele, como bom PORTADOR nada disse.   No sábado bem de manhã de malas prontas foi até a rodoviária e seguiu para Brasília-DF.   Na segunda-feira desembarcou em Belém do Para onde foi recebido por um conhecido casal e seis filhos, os sorrisos largos dos dois amigos contavam a satisfação daquele reencontro.   –Miro, Miro!   Pensei que não viesse.   –O Gezildo, a gente é ou não é amigo do peito?   -Gezildo não! Já te falei.   Falou para alguém?   -Nunca!   PORTADOR bom tem também que guardar segredos.   O último assunto na pequena e pacata João Pinheiro era:   Onde foi parar Miro?   Ninguém sabe ninguém viu.   O esperto do BOM PORTADOR comprou passagem só de ida.

Miguel Francisco do Sêrro – Historiador e Advogado.

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