Editorial | A madrugada da blindagem: quando o Congresso fecha as portas à Justiça

 Editorial | A madrugada da blindagem: quando o Congresso fecha as portas à Justiça

De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, o homem chega a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.” — Rui Barbosa

Na madrugada de 17 de setembro, enquanto o país dormia, a Câmara dos Deputados aprovou, em dois turnos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que ficará marcada como a PEC da Blindagem. Sob o argumento de “proteger prerrogativas parlamentares”, a medida, na prática, ergue um escudo contra a Justiça e dificulta o andamento de processos criminais contra deputados e senadores.

O placar foi expressivo: 353 votos favoráveis no primeiro turno e 344 no segundo, quando bastavam 308. Entre os pontos aprovados, está a exigência de que qualquer ação penal contra parlamentar dependa de autorização da respectiva Casa Legislativa, em votação secreta e por maioria absoluta. Além disso, a PEC estende foro privilegiado a presidentes de partidos que tenham representação no Congresso.

“A democracia é o regime da liberdade, mas exige coragem para resistir às tentativas de concentração do poder e à corrupção das instituições.”Ulysses Guimarães

Não se trata de mero ajuste constitucional. Estamos diante de uma mudança que mexe no coração da relação entre representantes eleitos e o Estado de Direito. Ao retirar transparência e criar barreiras adicionais à responsabilização de parlamentares, o Congresso abre espaço para a percepção, e talvez a realidade, de impunidade institucionalizada.

É legítimo que mandatos eleitos tenham proteção contra perseguições políticas. Mas é inaceitável que tais proteções se transformem em muralhas contra a lei. O voto secreto, em especial, remete a um tempo de escuridão democrática, onde o eleitor não tem o direito de saber como votou seu representante em questões tão graves.

“O maior perigo da política é a banalização do mal: quando ações injustas se tornam rotineiras, ninguém se sente responsável.” Hannah Arendt

A aprovação desta PEC também lança sombra sobre a relação entre Legislativo e Judiciário. Parlamentares a defendem como reação a supostos “excessos” do Supremo Tribunal Federal. Mas, ao corrigir o que dizem ser abuso, criam um mecanismo que ameaça a própria democracia: um poder que legisla em causa própria, fechando as portas à fiscalização.

A confiança nas instituições políticas já é frágil. A madrugada de 17 de setembro reforça a ideia de que, no Brasil, as regras podem ser moldadas não em favor do povo, mas em favor daqueles que deveriam servi-lo.

O Senado ainda precisa se pronunciar. É a última oportunidade de corrigir o rumo e mostrar que a democracia brasileira não se resume à autopreservação dos que ocupam cargos eletivos. A história registrará esta votação como um divisor de águas: ou o Parlamento se aproxima do cidadão que o elegeu, ou cava ainda mais fundo o fosso que separa a política do povo.

Referências

  • Agência Brasil. Câmara aprova em 2 turnos PEC da Blindagem. Publicado em 17 set. 2025. Disponível em: ebc.com.br
  • Agência Brasil. Câmara aprova texto que dificulta denúncia criminal contra parlamentar. Publicado em 17 set. 2025. Disponível em: ebc.com.br

 

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