Tião Rocha e a canoa da educação: quando ensinar é plantar sonhos

Entre rodas e histórias, a proposta de uma educação que floresce em múltiplas margens, guiada pela cultura e pelo cuidado com o próximo.
Na noite de ontem (4), o Museu Histórico Municipal de Paracatu Pedro Salazar Moscoso da Veiga se fez porto para uma travessia rara: a das ideias que mudam rumos. O projeto “Sempre um Papo”, com patrocínio da Kinross via Lei Rouanet, trouxe à cidade o mineiro Tião Rocha, antropólogo, educador popular e fundador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD). Ele lançou seu livro “Topa? Um educador em busca do não feito: ainda” (Ed. Peirópolis) e conversou sobre “A Terceira Margem da Educação”, numa roda mediada pelo criador do projeto, Afonso Borges.
Mineiro de Belo Horizonte, Tião formou-se em História pela PUC Minas, atuou como professor universitário e chegou à Universidade Federal de Ouro Preto, onde fez uma escolha rara: pediu demissão para alçar outros voos, não sobre o conforto da academia, mas sobre territórios onde a vida pede urgência. Foi em Curvelo, no coração de Minas, que a semente brotou. Ao ver crianças demais e escolas de menos, ousou perguntar:
“Será possível fazer educação sem escola, à sombra de um pé de manga?”
Assim nasceu a Pedagogia da Roda e, com ela, o Projeto Sementinha, um chão simples, um círculo e saberes brotando como água nascente. A experiência virou política pública, ganhou prêmios e cruzou fronteiras. Inspirado por Paulo Freire, Tião apostou na cultura como matéria-prima da educação e levou seus projetos para territórios urbanos e rurais no Brasil e na África. Esteve na Amazônia, em periferias de São Paulo e até em campos de refugiados em Moçambique. Reconhecido por instituições como Unicef, Fundação Schwab e Ashoka, tornou-se referência em práticas pedagógicas inovadoras fora da escola tradicional.
Na roda de conversa em Paracatu, Tião lançou perguntas e certezas:
“A busca do não feito, ainda, é o maior desafio que a Educação precisa enfrentar: não deixar ninguém para trás. Nenhum a menos. Não perder ninguém! A terceira margem do rio da vida é a margem do bem-estar e do viver em harmonia, uns com os outros e com a mãe Natureza.”
E completou:
“Eu não sou contra a escola. Eu sou contra a escola ruim. É possível fazer educação sem escola. O que não é possível é fazer educação sem bons educadores. Onde estão eles? Não nas universidades, porque lá se formam professores, não educadores. Precisamos formar pessoas.”
O público acompanhou com atenção, encantado com as histórias, risos e reflexões que circulavam pela roda. Era como se Paulo Freire espiasse a roda, sorrindo por ver a semente de seus ideais brotar ali, sob um céu mineiro.
Depois vieram os autógrafos, livros virando sementes em novas mãos. No fim, ficou a certeza: a educação que Tião sonha é um rio de muitas margens. E ele segue, como o homem de Rosa, construindo sua canoa para uma terceira beira, onde ninguém fique perdido no meio da travessia.
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