O ponto de inflexão da humanidade diante da agonia do Acordo de Paris

 O ponto de inflexão da humanidade  diante da agonia do Acordo de Paris

João Guilherme Sabino Ometto*

 O grave anúncio da Organização Meteorológica Mundial (OMM) no dia 10 de janeiro último, confirmando cientificamente que 2024 foi o ano mais quente já registrado, reforça um alerta que não pode mais ser ignorado. Com a temperatura média da Terra atingindo 1,55 grau Celsius acima das variações observadas entre 1850 e 1900, a humanidade enfrentou pela primeira vez um ano inteiro que superou o limite estabelecido pelo Acordo de Paris (1,5 grau acima do chamado período pré-industrial). O marco é alarmante, pois cada fração adicional de aquecimento amplifica os impactos climáticos, desde desastres naturais mais intensos, como se observa com frequência crescente, até prejuízos às economias de todas as nações.
Embora ultrapassar temporariamente a marca de 1,5 grau não signifique que a meta de longo prazo tenha sido perdida, é um chamado à ação imediata. Governos devem intensificar seus compromissos climáticos, adotando medidas eficazes para reduzir emissões e proteger as populações mais vulneráveis. No entanto, o desafio não se limita ao setor energético ou à descarbonização da indústria. A agropecuária, muitas vezes vista como parte do problema, é também um fator essencial à solução, não apenas com aumento da produtividade e sustentabilidade, como também produzindo biocombustíveis, que são de fontes renováveis e muito menos poluentes.
Cabe enfatizar que os biocombustíveis são absolutamente estratégicos para a agenda do clima, na qual a transição energética é um dos fatores determinantes. Assim, o etanol e o biodiesel, já consolidados, e o hidrogênio verde, em rápido desenvolvimento no Brasil, são alternativas concretas à substituição dos hidrocarbonetos. Destaque, também, para o uso de bagaço de cana-de-açúcar e outros resíduos agrícolas para produção de eletricidade nas próprias propriedades rurais.
No Brasil, destacado por sua relevância global na produção de alimentos, avanços significativos têm demonstrado o potencial do agro no sentido de contribuir para o combate à crise climática. Nosso Código Florestal, um dos mais rigorosos do mundo, exige que propriedades rurais mantenham áreas de reserva obrigatórias, variando de acordo com a região. Essa legislação promove a conservação de biomas nativos e incentiva a busca por soluções mais sustentáveis na produção.
Além disso, a intensificação da produtividade agrícola, como observei acima, é um exemplo claro de como avanços tecnológicos e boas práticas podem reduzir a pressão sobre os ecossistemas. Hoje, é possível produzir mais em áreas proporcionalmente menores, permitindo que vastas extensões de terra sejam poupadas para a preservação. Essa estratégia, ao mesmo tempo em que sustenta a segurança alimentar, reduz de modo expressivo as emissões de carbono associadas à expansão da fronteira agrícola.
Os benefícios de tais iniciativas são duplos. Por um lado, a proteção de florestas nativas assegura o sequestro de gases de efeito estufa, ajudando a diminuir o aquecimento global. Por outro, a modernização das técnicas de cultivo e o manejo integrado de pastagens tornam o setor mais resiliente diante dos desafios climáticos. No entanto, é essencial que essas medidas sejam ampliadas e replicadas em todo o Brasil e em outras regiões do planeta, em especial naquelas nas quais o desmatamento e a degradação ambiental ainda predominam como estratégias de expansão das áreas agricultáveis.
A ONU tem enfatizado que a carga de calor nos oceanos, que acumulam cerca de 90% do excesso gerado pelo aquecimento global, alcançou níveis recordes em 2024. Isso reforça ainda mais a urgência de ações coordenadas para limitar o aumento das temperaturas. O setor agropecuário, ao integrar práticas sustentáveis em larga escala ao processo produtivo, pode contribuir de modo relevante para esse esforço.
É inegável que a humanidade vivencia um ponto de inflexão. Dados robustos de instituições internacionais, como o grave anúncio da OMM, mostram que a aceleração do aquecimento não é apenas um alerta, mas uma confirmação de que o tempo para reagir expirou. Não se pode mais esperar pelo cumprimento dos compromissos financeiros dos países desenvolvidos em apoio à preservação, transição energética, descarbonização e produção sustentável em todos os setores.
A agropecuária, quando conduzida com responsabilidade e inovação, como estamos fazendo aqui em nosso país, não é inimiga do meio ambiente, mas uma aliada crucial. Ações ousadas que combinem preservação ambiental, aumento de produtividade e responsabilidade climática precisam consolidar-se como o novo padrão mundial do setor. Esse é o único caminho – a ser adotado por todos os ramos de atividade e governos – capaz de manter vivo o compromisso do Acordo de Paris, que ainda respira, mas está agonizante.
O momento de agir é agora. Nesse cenário, o agro brasileiro vai se firmando como exemplo da viabilidade de aliar desenvolvimento e preservação neste planeta tão dependente de iniciativas sustentáveis e corajosas.

*João Guilherme Sabino Ometto é engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos – EESC/USP), empresário e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).

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