O NATAL E O INVISÍVEL
Por Silvano Avelar
Era uma noite perfeita de apresentações natalinas. A praça lotada, toda iluminada. As crianças aguardavam ansiosas a chegada do trenzinho com o Papai Noel. Estávamos na Vila do Papai Noel branco, barbudo , com roupa de frio, apesar do calor do verão tropical. Nós, integrantes do Coral , colocamos nossas melhores vestimentas. Os homens de terno azul marinho com gravata vermelha. As mulheres de blusas brancas cobertas com ombreiras vermelhas. Cenário deslumbrante. A cantata de Natal foi um sucesso. Aplaudidos de pé. Enquanto cantava , notei que lá no fundo da plateia um homem observava e também aplaudia de forma efusiva nossas apresentações. Ao seu lado, o caramelo também parecia gostar do que ouvia. Deitou-se aos pés do homem , levantava a cabeça e abanava o rabo a cada aplauso, como se estivesse concordando. O grupo de teatro encenava o nascimento de Jesus de forma inusitada: os atores, em sua maioria negros, com vestimentas rústicas regionais, montavam o presépio humano com a cara da cidade. Jesus nascia ali com características de humildade, sem requintes nem ostentação. Burburinho na plateia. “Acho um desrespeito com o nosso Cristo, colocar esse povo estranho para representar o nascimento do nosso Rei Salvador
“, dizia alguém que aplaudia o Coral bem vestido, mas discordava da encenação. O homem continuava ali. Aplaudia com entusiasmo a encenação e o Coral. Após a cantata, a banda subiu ao palco e começou a tocar lindas canções natalinas. A plateia interagiu e cantou ” Jesus Cristo, eu estou aqui”, à capela, quando o maestro deu a dica. Observei que o homem cantava também. A plateia pede bis e a banda toca um lindo dobrado. O homem não se contém. Saca um pandeiro e se aproxima do palco. Fica ali vibrando com o dobrado e fazendo a percussão com o pandeiro. O caramelo se aproxima também e acompanha o dobrado e o homem. Todos aplaudem e riem daquele homem e seu cachorro. Fim da apresentação. O homem tenta interagir com as pessoas. Veio ao meu encontro. Parecia um velho conhecido.Disse que ia viajar para o Nordeste, sua terra. Desejou Feliz Natal. Respondi de forma lacônica e fui saindo dali. Segui no meio da multidão que se afastava. Em certo momento,
oIlhei para trás procurando aquele andarilho. Não consegui vê-lo mais. Naquela noite, sonhei que tinha voltado à praça para procurá-lo. Só havia um homem na praça. Bem vestido, com barba bem cuidada, cabelos compridos, rosto sereno. Perguntei pelo homem e seu cachorro. Respondeu que ele estava por ali mesmo, bem perto de nós. Procurei em toda praça e não o encontrei. Saí dali. Olhei para trás e não vi mais o homem bem vestido. Apenas uma luz ofuscante no lugar onde ele estava. Acordei e fiquei matutando: Será que “Ele” estava sempre ali e nós não o reconhecemos?

Comentários