O dia em que a Câmara fechou as portas para a imprensa

  O dia em que a Câmara fechou as portas para a imprensa

Sobre o dia em que a Casa do Povo expulsou a própria luz

Há episódios que, por si só, revelam mais do que discursos, votações ou notas oficiais jamais poderiam revelar. São instantes que condensam a temperatura moral de um país. E ontem, na Câmara dos Deputados, o Brasil assistiu, ou melhor, foi impedido de assistir, a um desses momentos.

O relógio marcava cerca de 15h30 quando o deputado Glauber Braga ocupou a cadeira da presidência da Casa, conduzindo a sessão como se assumisse, ainda que simbolicamente, o comando de uma instituição que deveria ser pública, plural e transparente. Pouco depois das 16h, ele reafirmou que dali não sairia. Houve tensão, houve empurra-empurra. No tumulto, a deputada Célia Xakriabá caiu. Sâmia Bomfim tentou impedir que Glauber fosse retirado. O terno rasgado do deputado, ainda que apenas um pedaço de tecido, materializou o rompimento de um clima institucional já há muito desgastado.

Mas o que se seguiu ultrapassa qualquer desacordo regimental: jornalistas foram expulsos do plenário. Equipamentos desligados. Profissionais sob empurrões, lesões, impedidos de registrar o que acontecia. A TV Câmara cortou a transmissão às 17h34, como se a escuridão pudesse substituir a narrativa, como se apagar a lente fosse o mesmo que apagar os fatos.

A assessoria da presidência, ao atribuir e depois negar a ordem de expulsar a imprensa, não ofereceu respostas, apenas aumentou o nevoeiro. O que fica é a marca de um gesto de força num espaço que deveria ser o coração da legalidade. Um gesto que carrega o nome de quem tem o dever de garantir o funcionamento democrático da Casa: o presidente da Câmara, Hugo Motta.

E aqui reside um aspecto que não pode ser ignorado: a seletividade do rigor. Se ontem a Polícia Legislativa foi acionada de imediato para retirar um deputado de esquerda, o mesmo ímpeto não se viu quando parlamentares de direita, em episódios recentes, ocuparam a mesa diretora, tumultuaram votações, descumpriram regras ou pressionaram fisicamente colegas. Nenhuma punição exemplar, nenhuma reação enérgica, nenhuma convocação urgente de seguranças. A balança que deveria ser institucional pesa de acordo com o lado, e quando a presidência da Câmara opera dessa forma, já não se fala apenas de autoridade, mas de favorecimento político transformado em ato administrativo.

A Federação Nacional dos Jornalistas foi categórica ao repudiar a censura. O Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal também classificou o episódio como “extremamente grave”. E a gravidade não está apenas nas agressões físicas, mas no que elas simbolizam: quando a imprensa é silenciada, a sociedade é amordaçada; quando câmeras são desligadas, é o próprio país que fica no escuro.

Em pleno século XXI, em um país que ainda luta diariamente para defender as bases mínimas da civilidade democrática, assistir à expulsão violenta de jornalistas dentro da Câmara dos Deputados é, sim, inadmissível. O Parlamento não é propriedade de nenhum presidente. Não pertence a partidos. Não pertence a forças de segurança. A Câmara pertence ao povo, e o povo tem o direito inegociável de ver o que lá acontece.

O Brasil precisa de respostas. Precisa de transparência. Precisa, sobretudo, lembrar que a democracia não é um palco a ser esvaziado ao menor sinal de conflito. Ao contrário: é justamente nos conflitos que ela deve provar sua força, acolhendo a crítica, o olhar da imprensa, o contraditório, e jamais expulsando-os.

Se a política, às vezes, se faz de sombras, cabe ao jornalismo manter acesa a chama da verdade. E ontem, quando tentaram apagá-la, cada empurrão contra a imprensa acendeu outro alerta: a democracia brasileira exige vigilância constante. E não se constrói no silêncio.
Se constrói na luz.

A Editora

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