Editorial – Privatizar não é solução
A água é um direito, não um negócio
Há decisões que não se medem apenas por números, gráficos ou promessas de eficiência. Há escolhas que tocam o essencial da vida, como a água que corre nas torneiras, invisível no cotidiano, mas vital em cada gesto. Privatizar uma empresa pública de saneamento, como a Copasa, é mais do que uma decisão econômica: é uma definição sobre que tipo de sociedade queremos ser, uma que trata a água como mercadoria, ou como direito.
Nos últimos dias, o debate sobre a privatização da Copasa voltou a ganhar força aqui em nosso estado de Minas Gerais. A Assembleia Legislativa aprovou, em primeiro turno, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que retira a obrigatoriedade de consulta popular por meio de referendo para autorizar a venda da companhia e de outras estatais. A medida, considerada por críticos como um “atalho político”, abre caminho para acelerar o processo de privatização sem a participação direta da população, justamente quem mais depende dos serviços prestados pela empresa.
Entre os principais argumentos contrários à privatização estão os riscos de aumento das tarifas, agravamento da desigualdade e perda da soberania sobre um serviço essencial. Experiências em outros estados e países indicam que, quando o lucro se torna prioridade, o custo recai sobre o cidadão. Tarifas sobem, investimentos em regiões menos lucrativas diminuem, e o acesso universal à água e ao esgoto, um direito humano reconhecido pela ONU. fica ameaçado.
Casos em outros estados demonstram que a privatização do saneamento traz prejuízos à população. Em Ouro Preto (MG), moradores enfrentaram cortes e tarifas abusivas quando a empresa privada Saneouro assumiu o serviço. No Rio de Janeiro, após a venda da Cedae, o tratamento de esgoto caiu 7% e aumentaram as reclamações por falta d’água. Em Manaus, a privatização completou mais de 20 anos, e 80% da cidade ainda não tem esgotamento sanitário adequado. No Tocantins, o governo teve que reestatizar a Saneatins em 2013, após anos de piora nos indicadores.
Há ainda o temor de que a lógica do mercado substitua o compromisso social. Em áreas rurais, periferias e pequenos municípios, onde o retorno financeiro é menor, a presença do Estado é frequentemente o único que garante a continuidade do serviço.
Privatizar, nesse sentido, pode significar abandonar populações inteiras à própria sorte, comprometendo políticas públicas de saúde, meio ambiente e desenvolvimento humano.
A Copasa, ao longo de décadas, construiu um papel que vai além da prestação de serviço: tornou-se parte da infraestrutura social de Minas Gerais, levando água tratada e esgoto a comunidades onde o investimento privado dificilmente chegaria por iniciativa própria. Vender a empresa, portanto, não é apenas transferir um ativo, é abrir mão de um instrumento público de inclusão e planejamento.
Privatizar pode parecer uma solução rápida, mas os efeitos são profundos e, muitas vezes, irreversíveis. Num tempo em que a água se torna cada vez mais preciosa, entregar seu controle ao mercado é, no mínimo, um risco que exige mais debate, mais transparência e, sobretudo, mais escuta popular. Porque a água é de todos, e o que é de todos, não se vende.
Referências:

Comentários