Editorial | O orçamento sequestrado

 Editorial | O orçamento sequestrado

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“Os homens governam os homens com palavras.
Palavras não são atos, mas às vezes valem por eles.”

Carlos Drummond de Andrade, “O poder ultrajado”

Nos últimos anos, o Congresso Nacional vem ampliando de forma silenciosa, mas profundamente impactante, seu controle sobre o orçamento público. O avanço das emendas parlamentares impositivas, que obrigam o Executivo a executar os recursos indicados por deputados e senadores, está redesenhando o funcionamento da administração pública brasileira. E não para melhor.

O que deveria ser um instrumento legítimo de participação parlamentar na definição de prioridades nacionais vem sendo transformado em moeda de troca política e mecanismo de poder individualizado. As emendas, sobretudo as chamadas “pix”, pulverizam verbas públicas sem critério técnico ou transparência, servindo, em muitos casos, a interesses eleitorais e não à população.

Essa distorção atinge diretamente a governabilidade, compromete o planejamento de políticas públicas e esvazia a capacidade do Executivo de atuar de forma coordenada e estratégica. Trata-se de um verdadeiro sequestro do orçamento, que alimenta a lógica do toma-lá-dá-cá e enfraquece o Estado como garantidor de direitos e promotor do bem comum.

Mais do que isso: o foco deixa de ser o bem-estar da população e passa a ser a manutenção do controle político. As decisões passam a ser tomadas com o objetivo de preservar alianças, cargos e poder, em vez de atender às necessidades reais do povo. O Congresso, ao invés de ser um espaço de representação cidadã, se comporta cada vez mais como uma engrenagem voltada para garantir sua própria permanência e expansão.

Prova disso é a movimentação para aumentar o número de deputados federais, num momento em que o país enfrenta dificuldades econômicas, serviços públicos sobrecarregados e uma crise de representatividade. O Senado Federal pode votar nesta quarta-feira (25/6) o projeto de lei que eleva de 513 para 531 o número de deputados federais no Brasil. A proposta, no entanto, enfrenta resistência de parte dos senadores, que apontam a contradição de aprovar esse aumento justamente no momento em que há pressão por corte de gastos, redução de benefícios fiscais e contenção de impostos. A pergunta é inevitável: como justificar mais despesas com a máquina política diante de um país em alerta financeiro?

É preciso reagir. O Brasil precisa discutir com urgência os limites desse modelo. O uso do dinheiro público não pode se dar à sombra de negociações obscuras nem a serviço de projetos pessoais. É hora de resgatar o espírito republicano que deve orientar o Legislativo e exigir transparência, equilíbrio entre os Poderes e compromisso com o interesse público.

O que está em jogo não é apenas a técnica orçamentária, é o futuro do país e o valor da democracia. Não há política legítima onde falta responsabilidade, nem representação verdadeira onde falta compromisso com o povo.

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