Editorial – Licenciamento ambiental sob ataque: a noite em que a vida perdeu por 267 votos

 Editorial – Licenciamento ambiental sob ataque: a noite em que a vida perdeu por 267 votos

Na calada da noite de 17 de julho de 2025, o plenário da Câmara dos Deputados foi palco de um atentado à vida, e não é exagero dizer. Por 267 votos a favor contra 116 contrários, os parlamentares aprovaram o projeto que desfigura o licenciamento ambiental no Brasil, transformando aquilo que deveria ser uma regra, o cuidado e a responsabilidade ambiental, em mera exceção.

Chamado de “PL da Devastação” por ambientalistas, o projeto começou a ser apreciado por volta das 23h45 e foi votado às 1h45 da madrugada. A votação foi feita de forma híbrida, com parte dos deputados presentes no Plenário e outros participando remotamente, um movimento estratégico que escapou ao olhar da grande mídia e da população. É nessas horas silenciosas que as maiores tragédias legislativas costumam ocorrer.

Sob o disfarce de “modernização” e “desburocratização”, o que se viu foi à abertura deliberada das porteiras para empreendimentos de alto impacto operarem sem o devido rigor técnico e científico. A proposta aprovada isenta diversos tipos de obras de passar por processos de avaliação ambiental prévios, incluindo atividades de infraestrutura, mineração, agropecuária e expansão urbana, em um país que já ocupa a vergonhosa liderança global nos índices de desmatamento e assassinato de defensores ambientais.

 O retrocesso legal

O texto aprovado retoma os principais pontos do PL 2.159/2021, apelidado por especialistas de “Lei Geral do Licenciamento Ambiental”, e que já havia sido duramente criticado por órgãos técnicos como o Ibama, o ICMBio, o Ministério Público Federal e até a Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (ABEMA). Segundo a nova proposta, Estados e municípios terão liberdade para definir seus próprios critérios de licenciamento, sem obrigação de seguir padrões nacionais mínimos. Isso enfraquece drasticamente a atuação de órgãos fiscalizadores e pode aprofundar a desigualdade ambiental entre regiões.

Em nota, a Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) classificou o projeto como “inconstitucional” por violar o princípio da vedação ao retrocesso ambiental, cláusula implícita do artigo 225 da Constituição Federal, que assegura o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Um crime anunciado

O Brasil é signatário de tratados internacionais como a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e o Acordo de Paris, que exigem compromissos claros com a proteção ambiental. Ignorar essas responsabilidades não é apenas irresponsável, é uma traição às futuras gerações. E tudo isso foi feito em regime de urgência, sem o necessário debate público ou escuta qualificada de cientistas, indígenas, quilombolas e populações diretamente afetadas pelos grandes projetos.

Entre os que votaram a favor, há deputados financiados pelo agronegócio predatório, mineradoras e construtoras. É preciso dar nome às coisas: isso não é progresso. É um projeto de devastação.

Resistência e esperança

Organizações da sociedade civil e ambientalistas já se articulam para pressionar o Senado e, principalmente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem a prerrogativa de vetar a proposta, ao menos em suas partes mais graves. Há ainda expectativa de judicialização junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), caso o projeto seja sancionado.

A sociedade brasileira não pode assistir de braços cruzados. As chuvas extremas no Rio Grande do Sul, a seca histórica na Amazônia, o aumento dos incêndios no Cerrado, tudo isso nos lembra que o planeta já está nos cobrando a conta.

Paracatu sabe bem o que isso significa: nosso Cerrado sofre com desmatamento, uso descontrolado de agrotóxicos e expansão urbana desordenada. Enfraquecer o licenciamento ambiental é retirar o pouco freio que ainda protege nossos rios, nascentes e reservas de vida. É permitir que a destruição avance, legalizada.

Como alertou Edmund Burke, “Para que o mal triunfe, basta que os bons não façam nada.” O silêncio, neste momento, também é devastador.

 Conclusão

Não se trata de “desenvolvimento versus meio ambiente”. Trata-se de escolher entre um futuro habitável ou a continuidade de um modelo predatório que beneficia poucos e prejudica muitos. O voto da madrugada de 17 de julho não foi apenas um número no painel da Câmara. Foi um grito de alerta. Um lamento de 267 vozes que, longe de representar o povo, optaram por representar o lucro a qualquer custo.

Se há alguma chance de reversão, ela passa por mobilização, pressão política e consciência coletiva. O meio ambiente não é uma questão setorial. É à base da vida.

Como disse Mahatma Gandhi:

“A Terra fornece o suficiente para satisfazer as necessidades de todos os homens, mas não a ganância de todos os homens.”

Referências atualizadas:

  • Agência Câmara de Notícias. Câmara aprova projeto que flexibiliza licenciamento ambiental. Acesso em 17/07/2025.
  • Abrampa – Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente. Nota Técnica sobre o PL do Licenciamento Ambiental.
  • Instituto Socioambiental (ISA). Licenciamento ambiental: o que está em jogo com o novo projeto de lei.
  • Observatório do Clima. Retrocesso ambiental: o desmonte do licenciamento em curso.
  • Ministério Público Federal. Pareceres contrários ao PL 2159/2021.

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