Auditores de Sustentabilidade do TCU conhecem pesquisas da Embrapa Cerrados

Foto em destaque: Breno Lobato – Auditores assistiram a palestras e a apresentações de experimentos
Cerca de 50 auditores da Unidade de Auditoria Especializada em Agricultura, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (AudSustentabilidade) do Tribunal de Contas da União (TCU) estiveram na Embrapa Cerrados no dia 9 de outubro para conhecerem algumas das pesquisas e tecnologias desenvolvidas pela Unidade. Acompanhados pela auditora-chefe da AudSustentabilidade, Arlene Nascimento, os auditores foram recebidos pelo chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento, Eduardo Alano, e pelo chefe da Auditoria Interna da Embrapa, Carlos Moraes de Jesus, representando a diretora de Administração, Selma Beltrão.
“Nossa grande missão, aqui na Embrapa Cerrados, é desenvolver soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura brasileira e em benefício da sociedade”, informou Alano, que também apresentou as principais linhas de pesquisa da Unidade.
Cedido desde abril pela Controladoria Geral da União para atuar na Auditoria Interna da Embrapa, Carlos Moraes de Jesus se disse horado em acompanhar a visita. “A Embrapa é uma empresa que historicamente fez e faz muitas entregas para o desenvolvimento agrícola do Cerrado, fazendo pesquisa de açaí a zebu. Vocês vão se deparar com essa diversidade e com a complexidade de se fazer inovação no contexto da gestão pública, com foco na sustentabilidade organizacional e ambiental”, afirmou, acrescentando que a Empresa colabora para as políticas públicas e participa das câmaras temáticas do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), além de contribuir tanto para médios e grandes produtores como para comunidades tradicionais, povos indígenas e quilombolas e a agricultura familiar.
Arlene Nascimento, que esteve na Unidade em junho, explicou que a visita integra a programação de um evento de integração entre os auditores da AudSustentabilidade espalhados por todo o País, realizado de 6 a 10 de outubro. “Para nós, é importante estarmos próximos dos gestores e entender as perspectivas e os trabalhos realizados. Muitas vezes, nos dedicamos aos processos de auditoria e esquecemos que do outro lado tem iniciativa, tem projeto e tem gente de boa vontade e de coração aberto para ajudar no que for necessário para a melhoria das nossas diversas instituições. É uma oportunidade de reconhecermos isso”, disse.
A auditora-chefe lembrou que as cinco diretorias do TCU – Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Agro, Terra (uso e ocupação do solo), Desenvolvimento (desenvolvimento regional e sustentável) e Sistemas S (que atua com o Senar, entre outros) – guardam relação com os trabalhos desenvolvidos pela Embrapa Cerrados.
Remineralizadores de solo
O pesquisador Eder Martins apresentou o tema “Remineralizadores de solo e outras soluções regionais no manejo da fertilidade do solo”. Frente à grande dependência nacional da importação de fertilizantes, agroquímicos, equipamentos, combustíveis e biotecnologia de sementes, bem como ao quadro grave de endividamento dos agricultores brasileiros, ele ressaltou a necessidade de buscar soluções regionais para a mitigação desses problemas.
Para isso, deve-se adotar um modelo de agroecossistemas tropicais, baseado no uso intensivo de insumos regionais e no uso racional das fontes externas de insumos; na valorização dos processos biológicos na agricultura; na busca pela autonomia genética, com manejos que utilizem a genética nacional; no uso de plantas de serviço para aumentar a resiliência dos sistemas produtivos; e na adoção de sistemas integrados que mantenham a cobertura verde do solo. O modelo está conectado ao conceito de Saúde Única. “Esse conceito é fundamental e começa pelo solo. Somente quando há saúde do solo, o resto da cadeia também terá saúde. Ana Primavesi já dizia: solo sadio, planta sadia, animal sadio, humano sadio”, completou o pesquisador.
Uma das estratégias, segundo Martins, é a agricultura regenerativa, calcada em processos (uso de plantas de cobertura, sistemas integrados, plantio direto, boas práticas de conservação do solo) e não em insumos; e no uso de ferramentas locais e regionais (bioinsumos e agrominerais regionais). Com isso, espera-se incremento na saúde do solo, sequestro de carbono no solo, aumento da biodiversidade e desenvolvimento de novas cadeias regionais de valor. Entre as políticas públicas existentes nessa linha, está o Plano Nacional de Fertilizantes, que integra não apenas os principais fertilizantes (nitrogênio, fósforo e potássio) como as cadeias emergentes – as fontes minerais regionais como os remineralizadores, a nanotecnologia e os bioinsumos.
Os agrominerais são toda matéria-prima de origem mineral utilizada na produção de insumos destinados ao manejo da fertilidade do solo agrícola – cloretos, sulfatos, carbonatos, fosfatos, boratos e silicatos (mais abundantes). O pesquisador explicou que a ação dos remineralizadores é um processo natural de formação de solo: “Uma rocha silicática rica em bases, mais água, acidez e atividade biológica do solo vai gerar novas fases minerais, liberar nutrientes e deixar o meio mais alcalino, corrigindo o solo e aumentando sua resiliência”.
Martins citou alguns tipos de rochas silicáticas disponíveis para a produção de remineralizadores, como o basalto, cuja aplicação promove o aumento da disponibilidade de fósforo em solos ácidos. A interação de remineralizadores com processos biológicos no solo pode aumentar a eficiência no uso de nutrientes pelas plantas, além de fornecer diversos micronutrientes. “Usamos a mesma ideia do processo de formação de solo. A diferença é que, aplicando rochas moídas nos solos e usando processos biológicos, estamos criando solo na escala de tempo agronômica, em vez da escala geológica de milhões de anos”, disse, acrescentando que solos mais intemperizados como os tropicais apresentam maior potencial de melhoria com o uso dos remineralizadores.
O pesquisador mostrou uma classificação das rochas silicáticas conforme as reatividades biológica e química – muito alta, alta, baixa e muito baixa –, que serve para qualificar os produtos gerados. Cada classe apresenta efeitos agronômicos diferentes por originarem novos minerais distintos, sendo que muitas fontes minerais são complementares entre si e com fontes convencionais solúveis. Outra classificação, a partir do potencial de neutralização, mostra que em todos os lugares do planeta há rochas que podem ser usadas como remineralizadores. “Ou seja, estamos saindo do conceito de fontes que são muito raras para fontes que são muito abundantes”, observou.
Até junho deste ano, 109 remineralizadores e fertilizantes silicatados estavam registrados no MAPA. Entre 2019 e 2023, o Brasil aplicou 9 milhões de toneladas desses produtos em 7,5 milhões de hectares. “Nosso objetivo no Plano Nacional de Fertilizantes é utilizar 70 milhões de toneladas anuais em 60 milhões de hectares”, apontou Martins. De acordo com relatório elaborado pela Embrapa Cerrados, o impacto econômico acumulado com o uso de remineralizadores entre 2017 e 2023 foi de R$ 3,14 bilhões.
O pesquisador salientou a necessidade de se pensar no manejo sustentável da fertilidade do colo, considerando, além dos remineralizadores e fertilizantes naturais, outras soluções regionais como fontes orgânicas de uso direto; biofertilizantes; compostagem; inoculantes, solubilizadores e bioestimulantes; e processos de manejo que permitam a reciclagem de nutrientes. “O mais interessante é que podemos integrar essas soluções”, disse, citando exemplos como a co-compostagem com remineralizadores, que aumenta a eficiência da compostagem e a disponibilidade de nutrientes, e diminui perdas desses nutrientes.
Por se tratar de uma tecnologia nova, os remineralizadores ainda enfrentam desafios culturais (ao contrário do que é propagado, não são inertes nem substituem fertilizantes), científicos (necessidade de redes para a geração de protocolos e regionalização do manejo, bem como de estudos para entender o mecanismo da remineralização), tecnológicos (otimização dos processos e redução do custo de produção, bem como a integração com outros insumos) e de mercado (desenvolvimento de novos produtos e coprodutos e estratégias de adoção como a pesquisa-ação).
Experimentos com frutíferas nativas e sistemas integrados
Após a palestra, os auditores visitaram os campos experimentais da Unidade, onde conheceram ensaios de domesticação de frutíferas nativas – pequi e baru –, apresentadas respectivamente pelos pesquisadores Carlos Lazarini e Helenice Gonçalves, e a vitrine do sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), com explicações dos pesquisadores Lourival Vilela, Karina Pulronik, Roberto Guimarães Jr. e Kleberson de Souza.
Lazarini comentou sobre as espécies vegetais presentes nas diferentes fitofisionomias do bioma Cerrado. O pequizeiro ocorre principalmente no Cerrado Típico e no Cerrado Denso, sendo os frutos bastante consumidos pela população regional por meio do extrativismo. Porém, o extrativismo exacerbado, motivado pela intensa comercialização, pode levar à extinção das plantas.
A Embrapa Cerrados trabalha a domesticação do pequizeiro, ou seja, busca levar a espécie à condição de cultivo. Para isso, a pesquisa seleciona materiais genéticos de qualidade e boa produtividade. “Uma vez identificadas plantas superiores na natureza, passamos ao processo de clonagem por meio da enxertia. Utilizamos a parte vegetativa de uma planta adulta para enxertá-la a uma muda e conduzimos a parte adulta, que vai se tornar uma árvore. Devido à presença de tecido adulto, a planta inicia a produção mais cedo, já com as características de fruto esperadas”, explicou o pesquisador.
No experimento de competição implantado há dois anos e meio, 44 matrizes superiores selecionadas na natureza e em propriedades rurais originaram 44 clones de pequi com espinhos. Foram plantadas seis plantas de cada clone, correspondendo às repetições de cada material avaliado. Outros 33 clones de pequi sem espinhos foram plantados em outro local próximo. Segundo o pesquisador, cerca de 10% das plantas já estão em floração e produção de frutos. O objetivo é selecionar clones superiores para lançamento como materiais comerciais.
Helenice Gonçalves abordou as características do baruzeiro, árvore perene que produz frutos de agosto a novembro, apresentando exemplares evidenciando a polpa, que pode ser usada na produção de farinha, e a amêndoa, que é consumida torrada. Os frutos comercializados são oriundos do extrativismo e têm tido grande procura nos mercados nacional e internacional. No final do ciclo de vida do baruzeiro, a madeira também pode ser aproveitada.
Além do potencial de produção de frutos, o baruzeiro pode substituir espécies arbóreas exóticas em sistemas de integração. Já são mais de 20 anos de pesquisas envolvendo estudos de fenologia e variabilidade genética do baruzeiro no Brasil, mas, segundo Gonçalves, ainda há muito a avançar nas técnicas de propagação vegetativa da planta. As técnicas de clonagem subsidiam os programas de melhoramento genético, promovendo outras tecnologias como o manejo de adubação, o controle de pragas e doenças, o manejo de poda e de irrigação, buscando a uniformidade dos cultivos, a precocidade, o aumento da produtividade e a diminuição da sazonalidade.
Ela apresentou um ensaio de progênies implantado em novembro de 2021, envolvendo plantios em semeadura direta e por mudas, com diferentes espaçamentos, onde são avaliados diferentes níveis de adubação em sequeiro. “O próximo passo é instalar ensaios de competição de clones”, afirmou, acrescentando que também são conduzidos ensaios de pós-colheita para avaliação das amêndoas e da composição da polpa dos frutos, em parceria com a Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ). “Precisamos popularizar a amêndoa. Muitas famílias conseguem se sustentar quebrando os frutos de baru”, disse.
Lourival Vilela falou sobre o conceito de sistemas ILP e ILPF, que integram atividades agrícolas, pecuárias e florestais na mesma área, em cultivos consorciados, em sucessão ou em rotação. “É no solo onde acontecem os benefícios dos sistemas integrados. Podemos falar em saúde do solo pela diversificação de plantas no sistema, incluindo o animal”, disse.
A ILP permite cinco safras anuais: soja, milho, pasto, animais (carne e leite) e a palhada para o plantio direto, enquanto a ILPF proporciona, ainda, com as árvores, madeira, frutos, entre outros. O sistema segue três princípios de conservação do solo: cultivo mínimo, cobertura permanente do solo e diversificação de espécies. O pesquisador citou algumas modalidades de sistemas ILP como o São Francisco (sobressemeadura do capim), Antecipasto (plantio antecipado de forrageiras), Antecipe (plantio antecipado do milho).
Vilela e Karina Pulrolnik mostraram dados de experimentos que demonstram benefícios da ILP, como a redução da idade ao abate do rebanho e o aumento da produtividade animal e de grãos como soja e milho. Em trabalhos com a introdução do componente florestal (ILPF), foram observados, em zebuínos leiteiros, maior produção e leite e de embriões devido ao maior conforto térmico. Outros benefícios apontados são a maior ciclagem de nutrientes no solo, principalmente devido à presença de gramíneas forrageiras; maior taxa de acúmulo de carbono no solo em relação a lavouras contínuas e pastagens solteiras; maior eficiência de uso de fertilizantes; e melhor balanço de carbono da ILPF em relação à ILP e a pastos de baixa produtividade.
Como forma de agregação de valor, a Embrapa e parceiros desenvolveram indicadores para certificações como Carne Baixo Carbono, Soja Baixo Carbono e Carne Carbono Neutro para produtos produzidos em sistemas sustentáveis como a ILP e a ILPF. “Essas marcas ajudam os produtores a acessarem mercados consumidores cada vez mais exigentes. E há uma geração disposta a pagar mais por esses produtos, sabendo que eles foram produzidos de maneira mais sustentável”, concluiu Kleberson de Souza.
A visita foi encerrada na vitrine tecnológica instalada em comemoração aos 50 anos da Embrapa Cerrados, construída com plantas de diversas cultivares desenvolvidas pela Unidade em cinco décadas de história.
A complexidade e a diversidade de temas com que a Embrapa trabalha foi o que mais chamou a atenção do auditor Paulo Machado, da diretoria de Agro do TCU. “Já sabíamos da estrutura e da pesquisa, mas quando vamos a campo e nos deparamos visualmente, a impressão muda”, declarou. “Estou há nove anos trabalhando com agricultura no TCU e é sempre importante ver o trabalho que auditamos, o que está sendo produzindo, tudo o que a Embrapa já gerou para nós e o que o futuro nos reserva. Saio muito feliz e esperançoso dessa visita”, completou.
A auditora Paula Dutra, da diretoria de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, contou que conhecer de perto trabalhos da Embrapa Cerrados foi de grande interesse para ela e os colegas. “Conseguimos ver (a relação da) nossa área de interesse com o trabalho da Embrapa e a importância para o desenvolvimento tecnológico do Brasil, para a nossa economia e o impacto na vida das pessoas”, disse, destacando o potencial dos sistemas de ILPF: “Participo de um projeto do TCU que avalia as ações governamentais em mudanças climáticas. Fiquei bem impressionada com a potencialidade dessa tecnologia na questão do carbono neutro e o potencial disso realmente se expandir e virar uma marca do Brasil para exportação de produtos carbono neutro e baixo carbono”, comentou, parabenizando a Empresa.
Breno Lobato (MTb 9417/MG)
Embrapa Cerrados
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