Adeus às Armas: Hemingway e a denúncia silenciosa da guerra

“Hemingway revelou na ficção o que o presente confirma na realidade: a guerra é sempre derrota, nunca solução.”
Vivemos um momento em que guerras entre países se tornam, cada vez mais, lutas de aniquilação. O mundo acompanha, com inquietação e indignação, mais um episódio da escalada militar promovida por Israel e Estados Unidos, desta vez, contra o Irã. O ataque, classificado por especialistas em direito internacional como ilegal e criminoso, não é um fato isolado. Ele faz parte de um padrão cada vez mais evidente de violência geopolítica seletiva, que se repete no Irã como já se impõe há décadas contra o povo palestino: um modelo de guerra assimétrica, destrutiva e genocidária, travestida de “defesa” e “prevenção”.
Enquanto civis são atacados, cidades são bombardeadas e tratados internacionais são rasgados em nome da “segurança nacional”, o mundo se pergunta: até onde vai essa máquina de guerra? E nós, aqui no Brasil, talvez ainda não tenhamos percebido, ou estejamos escolhendo ignorar, que também somos impactados por ela.
É nesse contexto de brutalidade crescente que a literatura de guerra, especialmente Adeus às Armas, de Ernest Hemingway, continua ressoando com força. O autor faz mais do que contar uma história de amor em meio ao caos da Primeira Guerra Mundial. Ele constrói uma obra profundamente humana e desiludida, onde a guerra não é heroica, nem nobre, nem justa, é inútil, devastadora e absurdamente cruel. Ao relatar os horrores do front com linguagem seca, direta e brutalmente honesta, Hemingway se une a um grupo de escritores que usaram a literatura como denúncia: a guerra não é um cenário de glória, mas um palco de destruição emocional e moral.
A narrativa acompanha Frederic Henry, um jovem tenente americano que serve como motorista de ambulância no exército italiano. Seus relatos são marcados por uma crescente desesperança, e o leitor acompanha sua transformação: de um personagem inicialmente apático para um homem profundamente ferido, não apenas fisicamente, mas, sobretudo no espírito. A guerra, para Henry, não produz sentido: tira vidas, desfaz convicções, aniquila qualquer traço de idealismo. A tragédia final do romance, envolvendo Catherine, sua companheira, reforça a sensação de futilidade universal: o amor, que parecia ser o último refúgio possível contra a brutalidade, também é esmagado.
Hemingway, que viveu os horrores da guerra na pele, rejeita qualquer romantização do combate. Seu estilo seco e econômico, marca registrada da chamada geração perdida, é, por si só, uma crítica. Não há espaço para discursos patrióticos ou heroísmos cinematográficos. A morte acontece de forma banal. A dor é cotidiana. A vida é frágil. E, diante da guerra, nada, nem a coragem, nem o amor, nem a fé, parece suficiente para resistir.
O título da obra, Adeus às Armas, pode ser lido literalmente como um afastamento das armas de guerra, mas também como um adeus simbólico a tudo o que se acreditava ser digno de ser defendido com armas: a honra, a pátria, a glória. É uma despedida amarga. Hemingway não grita contra a guerra, ele apenas mostra sua inutilidade com crueza e silêncio, e isso talvez seja ainda mais poderoso.
Ao escrever sobre a Primeira Guerra Mundial, Hemingway escreveu também sobre todas as guerras. Sua mensagem segue atual: enquanto o mundo continuar a repetir o ciclo da violência, haverá sempre autores, artistas e pensadores para lembrar que a guerra não é uma solução, mas um fracasso, o mais alto custo da irracionalidade humana.
Não precisamos de guerra. Precisamos de paz, de compaixão, de empatia. Precisamos, mais do que nunca, de amor. Porque onde há amor, não há espaço para bombas, cercas, invasões ou massacres, há espaço para humanidade.
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