A VIAGEM

 

Chuva fina, 21 de novembro, Osório estreita o ângulo da visão e pela janela enxerga dois garotos, cada um com um celular na mão, um dos meninos moreno bem escuro faz o ancião “viajar no tempo”, não é que o bacurau se parece com ele quando ainda menino?   Aquele senhor franziu a testa aumentando e evidenciando a quantidade de janeiros, mais de sessenta é garantido.   Zorim, assim apelidaram aquele senhor, traz na memória seu tempo de infância, por volta das nove horas da manhã ele e outra meia dúzia de meninos descalços corriam atrás de uma bola, isso seis décadas antes, nenhuma preocupação, as canelas cinzentas só eram lavadas no momento que Dona Maria batia o sino anunciando o fim do primeiro turno de aulas, Zorim assim como os outros corriam para a bica d’água instalada em frente a casa de João Amado, Preta, Tonim e Sá Joana, ali eles tomavam um “meio banho” iniciando os preparos para irem à escola no turno da tarde.   Osório apesar da garoa bota o chapéu de lebre, lança mão do estuca marido (guarda chuva), e segue lentamente descendo o morro da Água Limpa, vai no Antônio Bernaldino comprar carne fresca.   Como ainda é cedo, Zorim dará uma passada no Bar Santa Cruz, reduto dos partidários do antigo MDB, ouvirá as atualizações, comentários e fofocas que viajam pela cidade.   Falando em viagem Osório enquanto caminha volta no tempo, no antigo campinho de terra batida que margeia o córrego barreiro, bem em cima dele, construíram uma quadra de cimento armado, agora, ali só se pode jogar calçado, metade dos moleques são excluídos por falta de um tênis, Osório olha, lembra e demonstrando um semblante triste reinicia a caminhada.   No trajeto enquanto caminha, “viaja mentalmente”, lembra do Geraldo eletricista, mais abaixo o Otávio o Antônio Panelão e Juquinha, todos não estão mais aqui.   Passos lentos e compassados, o trajeto é cumprido, uma hora depois Zorim já sobe o primeiro morro retornando, dá uma parada no Tião Calango, depois de um dedo de prosa com uns conhecidos ruma para sua casa onde Marieta espera para finalizar o almoço.   Todos nós temos ou fazemos “viagens” recordando o passado, Osório não foge à regra, depois de quase duas horas caminhando parece feliz, certamente suas lembranças lhe trouxeram mais recordações alegres que tristes, “viaje” você também, o poeta certa vez disse, r e c o r d a r  é viver.

Miguel Francisco do Sêrro – Historiador/Advogado

 

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