A mineira Adélia Prado completou 88 anos

 A mineira Adélia Prado completou 88 anos

Avaliada a maior poetisa viva do Brasil e uma das escritoras mais extraordinárias da literatura nacional, a mineira Adélia Prado completou 88 anos no dia 13 de dezembro. E é escrevendo que ela celebra seu aniversário. Após um período que apelidou de “deserto criativo” – e que surgiu após o lançamento de seu último livro, Miserere, de 2013 – a poeta voltou a escrever e se dedica a uma nova obra, com título provisório de “O Jardim das Oliveiras”, ainda sem data de lançamento.

O consenso atual em torno da ex-professora primária e de filosofia para o segundo grau, mãe e avó, nem de longe relembra os obstáculos enfrentados por Adélia Prado para entrar no mundo da literatura. É verdade que teve padrinhos de peso, como Carlos Drummond de Andrade e Affonso Romano de Sant’Anna, que ressaltaram a qualidade de seus versos.

Estudos posteriores só fizeram confirmar sua importância, sobretudo os trabalhos acadêmicos e teses que se multiplicam a cada ano no Brasil. Nos últimos anos, sua obra começa a ser traduzida na América Latina (Argentina, Peru) e nos Estados Unidos. Na Alemanha e na França seus poemas se fazem presentes em antologias poéticas.

Nascida em 1935 na cidade mineira de Divinópolis, Adélia Prado demonstrou interesse pela escrita desde a infância. No entanto, ao alcançar os 40 anos, já casada e com cinco filhos, sua dedicação à carreira de escritora teve início com a aprovação de Carlos Drummond de Andrade. A publicação de Bagagem, sua coletânea de poesias mais celebrada e reeditada, foi um marco. A escritora também lançou livros em prosa e infantil, recebendo diversos prêmios e homenagens. Em 2020, Adélia Prado foi homenageada com o Prêmio Jabuti. Sua filha, Ana Prado, compartilhou seu orgulho pela mãe e reconheceu a coerência e a valentia expressas pela trajetória dela.

 Leia o belíssimo texto: “O que a memória ama, fica eterno”:

Quando eu era pequena, não entendia o choro solto da minha mãe ao assistir a um filme, ouvir uma música ou ler um livro. O que eu não sabia é que minha mãe não chorava pelas coisas visíveis. Ela chorava pela eternidade que vivia dentro dela e que eu, na minha meninice, era incapaz de compreender.

O tempo passou e hoje me emociono diante das mesmas coisas, tocada por pequenos milagres do cotidiano.

É que a memória é contrária ao tempo. Enquanto o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que realmente importa, eternizando momentos. Crianças têm o tempo a seu favor e a memória ainda é muito recente. Para elas, um filme é só um filme; uma melodia, só uma melodia. Ignoram o quanto a infância é impregnada de eternidade.

Diante do tempo, envelhecemos, nossos filhos crescem, muita gente parte. Porém, para a memória, ainda somos jovens, atletas, amantes insaciáveis. Nossos filhos são crianças, nossos amigos estão pertos, nossos pais ainda vivem.

Quanto mais vivemos, mais eternidades criamos dentro da gente. Quando nos damos conta, nossos baús secretos – porque a memória é dada a segredos – estão recheados daquilo que amamos, do que deixou saudade, do que doeu além da conta, do que permaneceu além do tempo.

A capacidade de se emocionar vem daí, quando nossos compartimentos são escancarados de alguma maneira. Um dia você liga o rádio do carro e toca uma música qualquer, ninguém nota, mas aquela música já fez parte de você – foi o fundo musical de um amor, ou a trilha sonora de uma fossa – e mesmo que tenham se passado anos, sua memória afetiva não obedece a calendários, não caminha com as estações; alguma parte de você volta no tempo e lembra àquela pessoa, aquele momento, aquela época…

Amigos verdadeiros têm a capacidade de se eternizar dentro da gente. É comum ver amigos da juventude se reencontrando depois de anos – já adultos ou até idosos – e voltando a se comportar como adolescentes bobos e imaturos. Encontros de turma são especiais por isso, resgatam as pessoas que fomos, garotos cheios de alegria, engraçadinhos, capazes de atitudes infantis e debilóides, como éramos há 20, 30 ou 40 anos. Descobrimos que o tempo não passa para a memória. Ela eterniza amigos, brincadeiras, apelidos… mesmo que por fora restem cabelos brancos, artroses e rugas.

A memória não permite que sejamos adultos perto de nossos pais. Nem eles percebem que crescemos. Seremos sempre “as crianças”, não importa se já temos 30, 40 ou 50 anos. Pra eles, a lembrança da casa cheia, das brigas entre irmãos, das estórias contadas ao cair da noite… ainda são muito recentes, pois a memória amou, e aquilo se eternizou.

Por isso é tão difícil despedir-se de um amor ou alguém especial que por algum motivo deixou de fazer parte de nossas vidas. Dizem que o tempo cura tudo, mas não é simples assim. Ele acalma os sentidos, apara as arestas, coloca um band-aid na dor. Mas aquilo que amamos tem vocação para emergir das profundezas, romper os cadeados e assombrar de vez em quando. Somos a soma de nossos afetos e aquilo que amamos pode ser facilmente reativado por novos gatilhos: somos traídos pelo enredo de um filme, uma música antiga, um lugar especial.

Do mesmo modo, somos memórias vivas na vida de nossos filhos, cônjuges, ex-amores, amigos, irmãos. E mesmo que o tempo nos leve daqui, seremos eternamente lembrados por aqueles que um dia nos amaram.

foto da internet

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