Literatura na Praça: quando a cidade aprende a ler com o coração
Leitura com afeto transforma a Praça Governador Magalhães Pinto em um palco de vozes, memórias, poesia e resistência
“A leitura do mundo precede a leitura da palavra.”
— Paulo Freire
Na tarde que se estendeu até a noite desta quarta-feira (26), a Praça Governador Magalhães Pinto deixou de ser apenas um espaço de passagem e descanso para se tornar território de encantamento, escuta e partilha. Em frente à Escola Estadual Antônio Carlos, pincéis coloriram o chão, versos se espalharam pelo ar e a literatura ganhou corpo, voz e movimento através do projeto “Literatura na Praça – Leitura com Afeto”.
Ali, sob o céu aberto, a palavra mostrou sua verdadeira função: não apenas ser lida, mas sentida. Porque ler, como ensinou Paulo Freire, é antes de tudo compreender o mundo, e naquele lugar, as histórias passaram a habitar o espaço coletivo com suavidade, reflexão e pertencimento.
A abertura oficial, conduzida pela diretora Maria Inês Fiúza Oliveira, deu boas-vindas a uma jornada de sensibilidade e pensamento crítico. A presença de alguns imortais da Academia de Letras do Noroeste de Minas abrilhantou ainda mais o momento, conectando gerações de escritores, leitores e guardiões da palavra, em uma ponte simbólica entre a tradição literária e a nova geração que se forma.
O Sesc em Minas, por meio do Sesc Paracatu, também marcou presença no evento, reafirmando seu compromisso com a formação cultural, educativa e cidadã. Atuando em “rede” para expandir seus serviços e alcançar mais pessoas, a instituição fortalece ações por meio de projeto como o Rede Sesc de Ação Comunitária. A Credencial Sesc, verdadeiro “passaporte” de acesso aos serviços, amplia essa conexão por todo o estado e, na modalidade plena, por todo o país, reforçando que a cultura, a educação e o lazer devem ser direitos compartilhados e acessíveis.
Em seguida, os alunos do 3º 02, sob orientação da professora Daniela, emocionaram o público com o poema dramatizado “A Paz”, lembrando que a literatura também é semente de esperança em tempos de conflito, e que cada verso é um chamado à humanidade.
A praça se fez livro vivo quando as professoras Charlene e Karla, ao lado de autores paracatuenses, conduziram um bate-papo que revelou algo essencial: a literatura não mora apenas nas grandes cidades ou nos nomes famosos dos livros didáticos. Ela pulsa nas ruas de Paracatu, nas memórias de seu povo, nos olhares de quem escreve a própria história.
Em cena, os alunos do 7º ano, com a peça “O menino que tinha rabo de cachorro”, tocaram em temas densos como preconceito, identidade e aceitação. Depois, os estudantes do 6º ano resgataram a tradição com “Escravos de Jó”, lembrando que as cantigas também são narrativas históricas que atravessam gerações.
A força política e simbólica da palavra se intensificou com a apresentação de “A Revolução dos Bichos”, sob coordenação das professoras Elany e Daniela, e com o potente texto “Gritaram-me Negra”, que ecoou na praça como um grito de identidade, resistência e afirmação da negritude.
No momento do SLAM, a juventude transformou a praça em microfone aberto: versos nascidos das vivências, da periferia, das dores e dos sonhos provaram que a poesia também mora na pele, no cotidiano, na coragem de existir e dizer.
A leveza do “Sítio do Picapau Amarelo”, apresentada em forma de dança, trouxe a fantasia da literatura infantil para o centro do palco, enquanto os Aedos e violeiros fecharam o ciclo, lembrando que a literatura nasceu da oralidade, do canto e do encontro em espaços coletivos como aquele.
O evento ainda contou com a presença do ator Odilon Esteves, cuja trajetória nas artes cênicas, do teatro ao cinema e à televisão, reafirma que a palavra, quando habitada com verdade, ultrapassa fronteiras e transforma destinos.
Mais do que uma programação cultural, o projeto Literatura na Praça – Leitura com Afeto reafirmou um princípio essencial: a educação não se limita aos muros da escola. Quando a comunidade se reúne para ouvir, declamar, encenar, dançar e refletir, a cidade inteira se converte em sala de aula.
Naquela noite, Paracatu não apenas leu histórias.
Paracatu escreveu uma delas.
E escreveu com afeto.



























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