Artigo – A importância de uma boa forrageira para a sustentabilidade da pecuária brasileira

 Artigo – A importância de uma boa forrageira para a sustentabilidade da pecuária brasileira

Foto: Marcelo Ayres

Marcelo Ayres Carvalho
Allan Kardec Braga Ramos
Gustavo José Braga

Pesquisadores da Embrapa Cerrados

Em 14 de outubro, comemora-se o Dia da Pecuária, data que celebra a importância de uma das principais atividades do agronegócio brasileiro. Em 2025, essa reflexão ganha um significado especial com os 50 anos de criação da Embrapa Cerrados, instituição que tem sido protagonista na geração de conhecimento e inovação para o setor. Ao longo de meio século, a pesquisa agropecuária, desenvolvida pela Embrapa e seus parceiros, tem transformado a pecuária brasileira, impulsionando sua produtividade, sustentabilidade e competitividade, especialmente por meio do melhoramento de forrageiras adaptadas ao bioma Cerrado.

O agronegócio é um dos pilares da economia nacional. Segundo o IBGE (2025), em 2024, o setor representou 23,2% de toda a riqueza produzida no país, registrando crescimento de 1,81% em relação ao ano anterior. O destaque foi o ramo pecuário, com alta de 12,48%. Para 2025, a estimativa do Valor Bruto da Produção (VBP) da pecuária é de R$ 511,6 bilhões, um aumento de 13,1% em relação a 2024. A carne bovina responde por 48,1% desse valor, enquanto o leite representa 19,8%, com previsões de crescimento de 18,4% e 19,8%, respectivamente, segundo a CNA.

A pecuária bovina brasileira, especialmente a estabelecida no bioma Cerrado, é fortemente baseada em pastagens: mais de 80% dos animais se alimentam exclusivamente da biomassa produzida pelas forrageiras tropicais. Essa forma de produção é significativamente mais econômica do que o confinamento. Enquanto o confinamento apresenta margens líquidas negativas em boa parte do ano, a bovinocultura a pasto mantém custos menores por arroba produzida e maior resiliência diante das oscilações de preços, fazendo com que a pecuária brasileira seja mais competitiva em relação aos outros países produtores.

Apesar de o Brasil dispor de vastas áreas aptas à formação de pastagens, a escolha inadequada das cultivares, somada ao manejo incorreto dos pastos, ao uso insuficiente de corretivos e fertilizantes e à falta de planejamento técnico, tem resultado em baixa produtividade e degradação das pastagens. Esse é, hoje, um dos principais desafios ambientais da pecuária. A escolha correta de uma cultivar depende de múltiplos fatores, como tipo de solo, temperatura do ar, regime de chuvas, categoria animal e a presença de pragas e doenças. Essa decisão exige que o produtor tenha acesso a uma ampla diversidade de variedades adaptadas às diferentes condições ambientais.

Desde sua criação, em 1975, a Embrapa Cerrados desenvolve, em parceria com outras Unidades da Embrapa, instituições internacionais de pesquisa e empresas privadas do setor de produção e comercialização de sementes de forrageiras, cultivares de forrageiras adaptadas para a região dos Cerrados. Ao longo dessas cinco décadas, cerca de 60 pesquisadores contribuíram diretamente para o desenvolvimento de 28 cultivares de gramíneas e leguminosas forrageiras tropicais pertencentes às principais espécies forrageiras utilizadas no Brasil: Andropogon gayanusStylosanthes guianensisS. macrocephala, Brachiaria brizantha (syn. Urochloa brizantha)B. decumbens (syn. U. decumbens), B. humidicola (syn. U. humidicolaPanicum maximum (syn. Megathyrsus maximus)Pennisetum purpureum (syn. Cenchrus purpureus, Arachis pintoi e Paspalum atratum.

A primeira cultivar de forrageira lançada pela Embrapa foi o Andropogon gayanus “Planaltina”, em 1980, desenvolvida na Embrapa Cerrados. À época, a pecuária regional ainda se baseava em pastagens nativas, de baixa produtividade, com taxas de lotação médias de 0,2 cabeça por hectare. Não havia uma cadeia de insumos plenamente estabelecida, sobretudo ofertando corretivos e fertilizantes em quantidade. As poucas pastagens cultivadas eram de gramíneas introduzidas de forma não intencional, na época do Brasil Colonial, junto aos navios negreiros vindos do continente africano, como o capim-jaraguá, o capim-gordura e o capim colonião ou, ainda, gramíneas introduzidas na década de 1960, importadas da Austrália, como a Brachiaria decumbens “Basilisk”, Bhumicicola “Tully”e Bruzizensis “Kennedy”.

Com o aumento da área plantada dessas espécies, houve uma explosão da população das cigarrinhas-das-pastagens que dizimou grande parte das pastagens cultivadas. A cultivar Planaltina aliava adaptação aos solos ácidos e pobres em nutrientes, característico do Cerrado, notadamente em áreas destinadas à atividade pecuária e a resistência genética às espécies de cigarrinha-das-pastagens. Isso possibilitou, naquela época, a viabilização do uso das pastagens cultivadas nas áreas marginais de produção, sobretudo com a disponibilidade de forragem na época chuvosa do ano.

Em 1984, a Embrapa Gado de Corte e a Embrapa Cerrados lançaram a Bbrizantha “Marandu”, em resposta à necessidade de aliar a resistência às cigarrinhas-das-pastagens com maior facilidade de manejo e qualidade quando comparada com a cultivar Planaltina. Pela sua produção de biomassa, qualidade nutricional e ampla adaptação ambiental, se tornou o maior case de sucesso de uma gramínea forrageira tropical da história. Chegou a ocupar mais de 50 milhões de hectares somente no Brasil e foi, ainda, plantada em vários países tropicais.

Ainda hoje, a cultivar Marandu tem uma grande participação no mercado de sementes de forrageiras no País. É considerada a cultivar com maior área plantada no planeta. Esse sucesso, entretanto, induziu os pecuaristas a utilizarem tal cultivar em áreas não adequadas para o seu pleno desenvolvimento, como em áreas com problemas de drenagem e em áreas com solos muito ácidos e pobres, ocasionando a sua rápida degradação.

Recentemente, em 2022, a Embrapa Cerrados disponibilizou outra cultivar de capim-andropogon, a cultivar Sarandi, atendendo a necessidade dos pecuaristas que ainda possuem pastagens em áreas de baixa fertilidade, mas que necessitam de uma pastagem de maior qualidade e de mais fácil manejo. A cultivar Sarandi tem como característica maior quantidade de folhas e menor espessura do colmo, portanto maior qualidade. Nos ensaios da Embrapa Cerrados, em Planaltina (DF), demonstrou ganhos de peso superiores a um quilo por animal/dia durante o período chuvoso, mantendo a sua rusticidade, produzindo em solos de baixa fertilidade e a resistência às cigarrinhas-das-pastagens.

O portfólio atual de forrageiras tropicais da Embrapa é amplo e diversificado, permitindo ao produtor escolher as cultivares mais adequadas às condições da propriedade. As informações estão disponíveis no Portal Embrapa (Cultivares) e no aplicativo Pasto Certo 2.0, que orienta sobre as principais espécies forrageiras tropicais.

Mesmo com tantos avanços, o trabalho precisa continuar. O processo de desenvolvimento de uma nova cultivar leva, em média, 12 a 15 anos, e o mercado exige respostas cada vez mais rápidas às demandas por sustentabilidade, produtividade e qualidade. A carne brasileira, exportada para mais de 150 países, enfrenta crescente pressão internacional por redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE). Pastagens mais produtivas e nutritivas contribuem para essa meta, pois aumentam a eficiência alimentar dos animais, resultando em menor emissão de metano entérico por quilo de carne ou litro de leite. Além disso, pastos bem manejados funcionam como sumidouros de carbono, sequestrando e armazenando carbono no solo.

Sistemas de produção mais sustentáveis, como a integração-lavoura-pecuária (ILP) e integração-lavoura-pecuária-floresta (ILPF) também podem contribuir com a redução da emissão de GEE e, até mesmo, produzir produtos com balanço zero de emissões. Para que tenhamos sucesso nesses processos de produção, novas forrageiras adaptadas a esses novos sistemas devem ser disponibilizadas para o maior desempenho nos diferentes sistemas, incluindo leguminosas que fixam nitrogênio da atmosfera e que podem minimizar o uso de fertilizantes nitrogenados, grandes emissores de GEE.

Já não vivemos um tempo em que duas ou três forrageiras bastavam para atender às necessidades do produtor. Os desafios do mercado, com consumidores mais exigentes e margens de lucro cada vez mais estreitas, exigem que o pecuarista aproveite ao máximo os recursos disponíveis em sua propriedade, considerando o tipo de exploração, as condições ambientais e sua capacidade de gestão. Nesse contexto, a diversificação das pastagens, com o uso de cultivares modernas e adaptadas a cada situação, torna-se essencial para garantir uma pecuária mais produtiva, rentável e sustentável, em sintonia com as exigências da sociedade contemporânea.

No momento em que o Brasil institui o Programa Nacional de Conversão e Recuperação de Pastagens Degradadas (PNCPD), pelo Decreto nº 11.815/2023, com a meta ambiciosa de recuperar ou converter 40 milhões de hectares de pastagens degradadas, torna-se urgente e fundamental a adoção dessas novas cultivares. Elas pavimentam o caminho para uma pecuária brasileira cada vez mais produtiva, sustentável e alinhada às demandas da sociedade.

Embrapa Cerrados

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