As cinzas da memória: o incêndio que silenciou a Casa Branca

Entre Paracatu e Cristalina, o fogo consumiu mais que paredes e telhas, levou parte viva da história cultural e política do país
Na tarde de sábado, 4 de outubro, o céu entre Paracatu (MG) e Cristalina (GO) tingiu-se de fumaça e saudade. Um incêndio de grandes proporções atingiu a histórica Fazenda Casa Branca, antiga Espanta Porco, e transformou em cinzas um dos mais valiosos patrimônios culturais da região.
Testemunhas relataram que o fogo teria começado após uma falha em um cabo de energia elétrica, um curto que acendeu, ironicamente, a chama da perda. Em minutos, o vento espalhou as labaredas que devoraram parte da casa grande, outrora morada de memórias, debates e sonhos.
Vídeos circularam nas redes sociais, mostrando as chamas dançando sobre a estrutura antiga, como se o passado, impotente, ardesse em despedida.
A Casa Branca não era apenas uma construção rural. Era um marco da história literária e política brasileira, um ponto de encontro entre tempos e pensamentos. Sob a propriedade de Vasco Botelho, abrigou nomes que moldaram o país:
Juscelino Kubitschek, que ali repousava nas viagens pela estrada que mais tarde seria a BR-040; Jorge Amado, que encontrou entre suas paredes o silêncio fértil para escrever parte de Gabriela, obra que nasceu na própria Fazenda Casa Branca, ao lado de Zélia Gattai.
Foi palco de conversas, ideias e afetos, um farol de cultura em meio ao cerrado.
Entre 2007 e 2010, o Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB) conduziu ali um inventário cultural e um programa educativo patrimonial, reconhecendo sua relevância histórica e arquitetônica. Mas, nos últimos anos, a Casa Branca já dava sinais de cansaço: paredes rachadas, infiltrações, materiais corroídos, ausência de manutenção, um grito silencioso por cuidado.
O fogo, agora, apenas revelou o que o tempo vinha anunciando: o abandono que precede a tragédia.
Se o curto elétrico for confirmado como causa, será também o símbolo de um país que, muitas vezes, deixa suas memórias à mercê do acaso.
Agora, entre os escombros fumegantes da Casa Branca, o silêncio parece carregar vozes antigas, risos, conversas, canções que o tempo não apagará. As paredes que viram nascer ideias, sonhos e livros hoje repousam sob o pó, mas sua memória permanece viva, acesa no coração de quem compreende o valor da história. Que das cinzas brote um novo olhar para o passado, não como ruína, mas como raiz, porque a cultura, mesmo ferida, renasce. E a Casa Branca, ainda que queimada, continua a iluminar o caminho de quem acredita que preservar é também uma forma de amar.
foto em destaque da internet…
Referências
-
Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB). “Casa Branca e Jambeiro – Uma História de Amor.” Disponível em: https://www.facebook.com/211803835637214/posts/casa-branca-e-jambeiro-uma-hist%C3%B3ria-de-amor-conhe%C3%A7a-um-pouco-da-hist%C3%B3ria-da-faze/478205405663721/
-
Memória de Família. “História de Vasco Adjuto Botelho.” Disponível em: https://www.memoriadefamilia.com.br/index.php?apg=pessoa&idp=2103
-
Juscelino Kubitschek. “Biografia.” Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Juscelino_Kubitschek
- https://www.instagram.com/cristalinaraiz/
Comentários