O que é e para que serve a língua? O que ela diz sobre nós? Porque aprender línguas e o que nos leva a estudar determinadas línguas ao invés de outras?

Essas e diversas outras perguntas estiveram presentes na 1ª Jornada de Idiomas e Internacionalização do IFTM

O que é língua e para que ela serve, afinal de contas? O que ela diz sobre nós? O que nos leva a estudar determinadas línguas ao invés de outras? Qual é a dinâmica que nos move nessas escolhas? Quais são os desdobramentos de se estudar línguas na vida das pessoas que se dispõem a encarar esse desafio?

Todas essas e diversas outras perguntas estiveram presentes ao longo dos dois dias de reflexões e trocas de experiências ocorridas na 1ª Jornada de Idiomas e Internacionalização (JOI) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro (IFTM).

O evento, realizado pelo Centro de Idiomas e Relações Internacionais (Cenid) da instituição, aconteceu nos dias 29 e 30 de abril de forma virtual com transmissão pelo canal do IFTM no YouTube devido à pandemia da COVID-19 e contou com mais de 1800 inscritos de 74 organizações brasileiras, públicas e privadas, e 4 de outros países.

A 1ª JOI objetivou fortalecer ações de Internacionalização do IFTM, chancelar a bilateralidade dos acordos da instituição com organizações parceiras, além de estimular a comunidade acadêmica a participar de futuros editais do citado Centro de Idiomas.

“O IFTM tem buscado maneiras distintas de consolidar e ampliar sua política de internacionalização. Consolidar significa destacar as boas práticas já realizadas; ampliar é sinônimo de incluir mais pessoas e tornar o processo de internacionalização mais abrangente e acolhedor em todas suas etapas e vertentes. Não acreditamos em internacionalização “isolada – seja por área, seja por fronteiras” e, assim, propusemos um evento que fosse interdisciplinar e transdisciplinar na essência para que os participantes pudessem refletir sobre o ensino-aprendizagem de idiomas nas diferentes áreas, carreiras e realidades. Foi com essa tônica – de consolidação, ampliação e integração de áreas – que a JOI nasceu”, explicou Edilson Pimenta, coordenador-geral do Cenid do IFTM e coordenador-geral do evento.

A programação da 1ª JOI contemplou 4 mesas-redondas, que totalizaram, até agora, mais de 10000 visualizações no YouTube, com temáticas diversas. Na 1ª, Línguas: destravando fronteiras, especialistas no ensino-aprendizagem de idiomas trataram da relevância de superar barreiras e aprender idiomas. Na 2ª, intitulada Idiomas na carreira docente, professores de diferentes áreas do conhecimento ressaltaram como aprender idiomas pode impactar positivamente na carreira docente. Na 3ª, Se eu não tivesse estudado idiomas, palestrantes de renome resgataram suas histórias e apresentaram como os idiomas foram determinantes na construção de suas trajetórias exitosas. Na 4ª e última mesa redonda, Internacionalização: emoción, opportunité e sucess, conferencistas detalharam como o processo de internacionalização pelo qual passaram resultou na ampliação de oportunidades acadêmico-profissionais.

Línguas: destravando fronteiras

“Todos nós, docentes, estudantes e falantes de línguas, temos nossas ‘escolhas’ e ações de certo modo limitadas por mãos invisíveis em nossos corpos, mas que deixam marcas. Essas mãos invisíveis também redirecionam as nossas histórias e escolhem por nós até mesmo antes de nós escolhermos”.

A marcante fala de Alex Egido, professor colaborador da Universidade Estadual de Londrina (UEL), presidente da Associação dos Professores de Língua Inglesa do Estado do Paraná (APLIEPAR) e um dos participantes da 1ª mesa-redonda, trouxe importante reflexão sobre as fronteiras que existem no ensino e na aprendizagem de línguas, fronteiras essas que não são físicas e/ou geográficas, mas sim barreiras ideológicas de perspectivas criadas a partir do colonial, do colonialismo do poder, do saber e do ser.

Diante do reconhecimento da existência dessas barreiras e fronteiras na aprendizagem de línguas, necessário se faz, assim, superá-las, mas como fazer isso? Alex, nesse ponto, concorda com Matheus, 2021, quando ela diz que “a intencionalidade é o ponto de partida”. Então, uma vez reconhecidas fronteiras, é preciso ter intenção de superá-las e para isso é fundamental sair da zona de conforto.

“Não podemos pensar em soluções que estão distantes do nosso contexto. Muitas vezes, para resolvermos algumas demandas que surgem nas nossas próprias salas de aula de línguas, nós precisamos pensar em como resolver isso juntos, de uma forma dialógica e situada. Se queremos usar as línguas, sejam elas maternas ou estrangeiras, de um modo mais equânime e democrático, precisamos pensar em outros meios de se fazer isso”, esclareceu Alex.  “Afinal, como disse Mignolo e Walsh, 2018, ‘se outro mundo é possível, ele não pode ser construído com as ferramentas conceituais herdadas da Renascença e do Iluminismo’”, lembrou o professor.

O também palestrante da noite, Jorge Berné, professor de inglês por 10 anos e atual assessor de Educação no Escritório de Educação da Embaixada da Espanha no Brasil, relatou como é trabalhar com ensino de línguas em dois sistemas educacionais diferentes: o sistema dos Estados Unidos e o da Espanha, nos ensinos fundamental II, médio e universitário.

“Fico feliz em compartilhar essas diferenças e perspectivas do ensino de línguas que eu adquiri ao longo da minha trajetória. Para todos nós, professores e estudantes de línguas, uma parte importante é sempre tentar compreender o olhar dos outros, entender as diferentes culturas para destravar fronteiras. Não tem língua ou cultura melhor, pois todas são ricas e nos enriquecem”, destacou o professor no início de sua fala.

Sobre o ensino no contexto europeu, mais precisamente no espanhol, Jorge explicou, dentre outros pontos, que a sociedade europeia é plurilinguista por natureza devido à questão geográfica, à União Européia e também à própria história do continente, que valoriza o plurilinguismo. “É um valor. Não é uma questão de escolha”, reforçou o palestrante.

Além disso, o ensino de línguas é obrigatório desde os primeiros anos escolares o que, somado à valorização do plurilinguismo, resulta em grande interesse por parte dos europeus por culturas diferentes e por estudo de línguas, o que também contribui para o desenvolvimento cognitivo.“Não é só uma questão de valorizar as línguas. Acaba sendo uma exigência falar línguas e tirar certificados de línguas para ter boas oportunidades no mercado de trabalho”, esclareceu Jorge.

Já nos Estados Unidos, a obrigatoriedade do ensino de línguas, por exemplo, é muito díspare, inclusive dentro de um mesmo estado, visto que lá o funcionamento dos sistemas de ensino se dá através dos estados, esbarrando e dependendo muito das políticas educacionais de cada um deles.“Essa questão da disparidade acontece também em relação aos requisitos exigidos de professores para ministrarem cursos de línguas, para ministrarem matérias em línguas estrangeiras e, no final das contas, esse sistema tão descentralizado cria essas disparidades. Porém, eu acho que os Estados Unidos estão em uma evolução muito positiva”, declarou o assessor.

Inquietações, lutas e conquistas do povo surdo em relação ao destravamento de fronteiras junto à LIBRAS também marcaram presença na 1ª mesa-redonda da JOI, com a professora de Letras/LIBRAS Lívia Martins Gomes, da Universidade Federal do Amazonas.

LIBRAS significa Língua Brasileira de Sinais e, como o próprio nome diz, é usada apenas no Brasil, uma vez que cada país possui a sua própria língua de sinais. Diversos mitos e fronteiras em relação a essa língua, ainda muito enraizados na sociedade brasileira, precisam ser quebrados e combatidos por meio de informação, conscientização e educação.

“Em pleno século XXI, por exemplo, nós ouvimos pessoas falarem expressões como surdo-mudo, o que revela desconhecimento sobre as comunidades surdas e a LIBRAS. Temos também que desmistificar questões como surdos têm déficits cognitivos, o que não é verdade. Seus déficits são linguísticos. E ainda, a LIBRAS possui sim sistema linguístico, gramática, cultura e variações”, enfatizou a professora.

Apesar das inúmeras dificuldades ainda vividas, as comunidades surdas no país, que são várias e não apenas uma, como por exemplo, comunidade de surdos cegos, comunidade de surdos oralizados, comunidade surda de surdos bilíngues, entre outras, vêm conquistando cada vez mais espaço em todas as áreas da sociedade. Inserção da LIBRAS como disciplina nos cursos de Licenciaturas; criação de cursos de graduação em Letras/LIBRAS; presença mais constante da Interpretação e Tradução em diversos eventos, aumentando a acessibilidade; e legislação própria da LIBRAS são algumas dessas conquistas.

Para aprender LIBRAS, assim como para aprender qualquer outra língua, é preciso estudar, dedicar, ter contato com nativos, explicou também a professora. “Aprender LIBRAS é como aprender qualquer outra língua: é preciso começar do básico. Com essa pandemia surgiram muitos cursos com excelentes professores, que puderam empreender fora de suas instituições e desenvolver projetos nas redes sociais, por exemplo”.

Idiomas na carreira docente

Aquisição de diferentes línguas é um ponto importante também para a carreira docente, uma vez que possibilita crescimento profissional, refletindo isso na sala de aula, dentro de conteúdos que serão trabalhados junto aos estudantes.

Como professora de inglês do estado da Bahia desde os 21 anos, Danielle Ferreira, uma das palestrantes da 2ª mesa-redonda da JOI, sentiu necessidade de viver na cultura que estava ensinando diante do desinteresse muito grande de seus alunos em relação à língua inglesa. “Eles ainda não entendiam a importância de se aprender aquela língua. A gente tinha que fazer uma série de atividades interativas para que eles percebessem que o inglês estava ao redor deles, ainda que não o usassem como comunicação”.

Foi a partir dessa reflexão que Danielle começou a investir em sua carreira para além da teoria, buscando aliá-la à prática de experienciar viver “na língua inglesa” no Canadá. Ela, como profissional, tinha a preocupação de dar aulas de inglês, mas nunca ter tido experiência fora do país. “Para mim como professora foi então uma experiência maravilhosa porque tudo que eu ensinava na teoria eu pude viver na prática, de forma a perceber a língua viva, abrindo fronteiras. Tem toda uma questão cultural que está dentro da fala da gente e isso também acontece no inglês”.

Quando chegou à França, a professora de português Flávia Silvia Machado, também palestrante do dia que disse nunca ter pensado em dar aulas de português naquele país, foi se dando conta de que tão importante quanto falar francês, era aprender e entender coisas extra-linguísticas que permeiam a vida em qualquer país, como funcionamentos e práticas sociais.

Assim, a professora explicou que a experiência internacional, apesar de não acontecer sem a língua estrangeira, ocorre para além dela e isso muito enriquece o processo de internacionalização. “É evidente que a experiência internacional não se resume à língua. Há parâmetros extra-linguísticos que têm que ser incorporados à nossa prática de trabalho, às trocas sociais. É necessário que a gente consiga se situar como sujeito nesse horizonte sócio-histórico-cultural, que é diferente do nosso país de origem. Experienciando tudo isso,  eu vou me tornando um sujeito mediador de culturas”.

Se eu não tivesse estudado idiomas

Para o professor de inglês Marco Túlio, da Universidade Federal de Goiás (UFG), o estudo de outras línguas é um convite para sair da zona de conforto. E foi o que ele decidiu fazer quando se mudou do interior do estado de Goiás para estudar Letras na universidade onde concluiu seu doutorado e ministrou aulas.

“Na verdade eu queria ser professor de literatura. Então pensei que estudar inglês seria uma forma de incrementar esse currículo. Mas a minha experiência com o inglês na faculdade foi, de início, muito traumática, porque a lembrança que eu tinha de aprendizagem da língua era dos professores chegarem com o livro, falarem em português e a gente trabalhar ali algumas habilidades, mas tudo atravessado pela língua portuguesa”.

Porém, na faculdade de Letras, Marco Túlio relatou que a experiência foi completamente outra, pois desde a primeira aula, a professora só falava em inglês, nada em português. Além disso, muitos colegas de turma tinham estudado inglês a vida toda, alguns inclusive haviam realizado experiências internacionais. “Eu me senti ali fora do lugar. Era muito desconfortável, por exemplo, dizer simplesmente que você está com sede num contexto em que a sua língua portuguesa não conseguia expressar”.

Mas ao mesmo tempo, o professor se viu em uma grande oportunidade de aprender e de superar limites e desafios. “Naquele momento eu tinha então dois caminhos: desistir ou continuar, sabendo que ali eu teria um árduo caminho para trilhar”, destacou o professor.

Um ano e meio depois de estudo intenso, Marco Túlio já conseguia se expressar em inglês e interagir com a turma. Passou em um processo seletivo para ser professor de inglês no Centro de Línguas da UFG, no qual atuou por anos. “Nunca me imaginei professor de inglês de um Centro de Idiomas da maior universidade do estado. Foi a partir daí que resolvi estudar outras línguas, como francês e espanhol e nunca mais quis voltar para minha zona de conforto”, finalizou Marco Túlio.

Internacionalização: emoción, opportunité e sucess

Para se estudar línguas, há que se ter motivações. “E quais são essas motivações?”, provocou um dos palestrantes da última mesa-redonda da 1ª JOI, Rodrigo Lemos, coordenador de Relações Internacionais do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) e professor efetivo de língua espanhola e língua portuguesa na referida instituição.

As motivações podem ser inúmeras e diversas. Se apaixonar por um (a) estrangeiro (a), o gosto pela cultura. No caso de Rodrigo, foi a paixão pelo voleibol, especificamente pelos jogos do Brasil contra Cuba, que o levou a se decidir pelo estudo do espanhol ao invés do inglês, contrariamente ao que seus pais queriam.  “Eu comecei a assistir esses jogos e eram muito competitivos. Eu queria entender o que as cubanas diziam no jogo contra as brasileiras. E assim, a língua espanhola foi me chamando atenção e essa foi a minha motivação inicial para aprender espanhol”, compartilhou o professor.

As motivações, entretanto, não são imutáveis. Elas vão se alterando ao longo da vida, da trajetória de cada um, a partir do contato, do conhecimento e do interesse por outras culturas. “A motivação na aprendizagem de línguas é o que nos mantêm fortes e focados nas aulas, nos fazendo seguir e aquecendo nosso coração ao longo do caminho”, finalizou Rodrigo.

As mesas-redondas da 1ª JOI do IFTM trouxeram ainda muito mais informações, reflexões e aprendizados com diversos outros profissionais. Acesse-as no canal do IFTM no YouTube.

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